terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A Ultramaratona das Montanhas - BR 135.




O relato de hoje refere-se à participação do guerreiro Wilson Bomfim na Ultramaratona BR135, que foi realizada entre os dias 18 e 20 de janeiro de 2013.



Para participar desta prova é necessário um "curriculum esportivo robusto", ou seja, não basta querer, você necessita ter experiências que o credenciem e assegurem a sua efetiva participação no desafio. Só a partir de uma análise criteriosa por parte da Coordenação do evento que a participação do atleta será autorizada.

Um dos pontos primordiais avaliados pela Comissão Organizadora diz respeito ao conhecimento do percurso em versões anteriores, ou seja, o corredor passa naturalmente por um processo de amadurecimento dentro da própria prova, quando participa nas modalidades quartetos, trios ou duplas.



Diante dessa perspectiva, para que o leitor tenha noção da dimensão da competição, vou tentar demonstrar um pouco do curriculum do meu amigo Bomfim.

75 participações em Maratonas Nacionais e Internacionais no período compreendido entre 1991 e  2012. Sua melhor marca nos 42 Km - 02h 50min.

07 participações na Comrades Marathon, Africa do Sul, nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012. Sua melhor marca para os 89,5 Km - 08h 45min. A oitava participação já está programada para acontecer no dia 02 de junho de 2013

05 participações na Supermaratona da cidade de Rio Grande/RS, nos anos de 2003, 2004, 2005, 2007 e 2012. Sua melhor marca para os 50 Km - 03h 53min.

03 participações na Supermaratona de Friburgo/RJ, nos anos de 2007, 2008 e 2009. Sua melhor marca nos 50 Km - 04h 09min.

03 participações na BR217, modalidade trio - Sua Equipe Bsb Parque ficou em 1º lugar no ano de 2010.

02 participações nas 24 Horas dos Fuzileiros Navais, Rio de Janeiro/RJ, nos anos de 2011 e 2012. Sua melhor performance foi em 2011 com 151 Km percorridos.

02 participações na Volta ao Lago em Brasília/DF - 100 Km, na categoria dupla, nos anos de 2006 e 2007. Sendo o melhor tempo de 08h 49min.

02 participações no Desafio Correndo o Nordeste - Ultramaratona de Revezamento 300 Km, nos anos de 2011 (Aracaju/SE x Maceió/AL) e 2012 (Salvador/BA x Aracaju/SE). Sua Equipe Bsb Parque ficou em 3º lugar no ano de 2011 e 4º lugar no ano de 2012.

01 participação na Volta a Ilha, Florianópolis/SC - 155 Km, em dupla, no ano de 2003, obtendo o tempo de 11h 44min.

01 participação no Desafio Praia e Trilhas, Florianópolis/SC, no ano de 2008, tendo corrido os primeiros 42 Km em 07h 28 min e os 42 Km do segundo dia em 08h 47 min.

01 participação na volta ao Lago Brasília/DF - 100 Km, na categoria individual, no ano de 2008, tendo concluído os 100 Km em 11h 19 min.

01 participação na Ultramaratona de Cubatão - 100 Km, no ano de 2008, tendo concluído a prova em 10h 45min.

É fato que existe uma atmosfera contagiante em torno desta prova, nesse cenário maravilhoso, vamos começar decifrando a expressão BR135, ou seja, ela refere-se à junção do BR de Brasil e do 135 que é a distância em milhas, ou seja, são percorridos 217 Km entre as cidades de São João da Boa Vista/SP e Paraisópolis/MG, em plena Serra da Mantiqueira.

Esse desafio faz parte de um circuito mundial com duas outras provas na mesma distância: a "Bad Water", que é corrida no deserto da Califórnia e a "Arrow Head", que é toda corrida em gelo e neve na fronteira dos Estados Unidos e Canadá. 

Não é raro alguém comentar que a BR135 está inclusa entre as 10 ultramaratonas mais difíceis do mundo, sendo considerada "A Ultramaratona das Montanhas".

Sexta-Feira, 18 de janeiro de 2012, São João da Boa Vista/SP, os participantes das modalidades Solo 48 Horas (77 atletas); Solo 60 Horas (25 atletas); Dupla (12 equipes); Trios (10 equipes) e Quartetos (6 equipes) gradativamente se reuniam na Praça Central da cidade.



Avizinhava-se o horário da largada, quando percebi no semblante de meu "mestre" Wilson Bomfim uma mistura de sentimentos:

Era nítida a alegria pela concretização de um sonho, por estar incluso num seleto grupo de Ultramaratonistas que participariam da modalidade Solo 48 Horas.

Em segundo plano vinham a angustia e as preocupações pelos desafios que ele iria enfrentar naquela jornada,  uma vez que era a primeira oportunidade na categoria Solo 48 Horas. Assim, era natural que as questões sobre logística e estratégia para o desafio conspirassem contra a mente do guerreiro.



Essas palavras que adiante transcrevo me foram ditas em meados do mês de dezembro de 2012, aproximadamente um mês antes da nossa viagem de Brasília/DF a São João da Boa Vista/SP:
"O sonho de ultrapassar a linha de chegada te leva ao mesmo tempo à diversas dúvidas: Numa corrida como esta nunca se sabe o que poderá acontecer.  - Será que treinei demais e agora vou quebrar? - Será que treinei pouco e poderei sucumbir no meio do caminho? - E as minhas lesões, vão permitir que eu chegue ao final? - Será que vou lembrar de fazer a alimentação e hidratação correta?" 
Wilson Bom fim
Já ia esquecendo de mencionar, esse relato só está sendo possível em decorrência do convite que recebi do meu estimado amigo para apoiá-lo nesse desafio de 2013. Assim, não hesitei em participar dessa belíssima jornada, uma vez que: "Correr é Pura Paixão"!!!

Para facilitar a compreensão do leitor farei a narrativa levando em consideração as cidades por onde os atletas passam percorrendo o Caminho da Fé

Km 0 - O início de tudo.

A largada da aventura foi feita sem maiores problemas na Praça Central da cidade de São João da Boa Vista/SP, pontualmente às 08:00h, Wilson Bomfim ostentava o nº 1075 no peito.


Km 19 - São João da Boa Vista-SP x Águas da Prata-SP.

Nesse primeiro trecho os atletas percorrem a distância de 5 Km onde é possível ao carro de apoio acompanhá-lo, dali em diante são mais 14 Km só. Assim, é interessante que o corredor faça uso de uma pequena "Camel Back" com água, gel de carboidrato e outros eventuais suplementos. 

Aqui nasceu nosso primeiro desencontroA estratégia inicial era usar essa mochilinha, porém, para nossa surpresa o dispositivo de plástico estava furado. É óbvio que reestruturamos a estratégia e o guerreiro largaria com uma pequena garrafa de água nas mãos e logo mais adiante, no ponto de apoio, substituiríamos a garrafa novamente. 

Ocorreu que, em função do número muito grande de carros de apoio, não foi possível estar no local combinado. Que pisada na bola heimmmmm!!!

Km 63 - Águas da Prata-SP x Andradas-MG.

Não adiantava chorar pelo leite derramado, assim, fui com o carro para a Praça na cidade de Águas da Prata. Naquele local foi possível realizar uma pequena parada para hidratação, alimentação, suplementação e estabelecer outras variáveis no planejamento.



Já ia esquecendo pessoal... bastou eu comentar com os colegas de Brasília o acontecido e eles logo providenciaram o empréstimo de um dispositivo de plástico para aqueles trechos que o carro não consegueria acompanhar os atletas.

Fica aqui nosso eterno agradecimento à Equipe "Ultras do Cerrado" pela solidariedade demonstrada, muito obrigado Felipe, Luciana e Fábio, Lilian e Rodrigo, pelo apoio imprescindível.

Nesse trecho passamos por cenários deslumbrantes, porém com subidas e descidas fortes, mata densa com um pouco de lama aqui outro ali. 



O trajeto foi tranquilo de forma a permitir o acompanhamento ao atleta, com breves paradas a cada 2 ou 3 Kms para hidratação ou reposição alimentar.



Percorremos o trajeto sem maiores problemas até a base do Pico do Gavião, que fica por volta do Km 44. 

Naquele estágio resolvemos em comum acordo não prosseguir com o veículo até o ponto mais alto da prova, tínhamos o receio de um eventual contratempo com o carro de apoio. Que convenhamos! - seria trágico naquela altura.

Um pequeno acampamento foi montado para preparar o "almoço". Isso mesmo, fizemos uma pequena parada para  comer pão, sopa e macarrão instantâneo.



Paralelamente à alimentação, era o momento de pequeno descanso para recuperação e fisioterapia no guerreiro que reclamou de câimbras. Pensei comigo - É muito cedo para isso estar acontecendo!!! esse cabra forçou demais na subida do Pico do Gavião e depois na descida o impacto o destruiu. Gelo no local do desconforto!!!

Logo após a descida do Pico do Gavião aconteceu o primeiro desafio para os veículos de apoio. Tratava-se de um pequeno riacho onde os carros devem passar sem hesitação, todavia, com a cautela devida para não patinar e ficar entalado na água. É de suma importância verificar antes o nível da água.

Km 99 - Andradas-MG x Crisólia-MG.

A primeira parte do trecho é relativamente tranquila para o atleta desenvolver um ritmo moderado pois o trecho de certa forma permite.

A tarde chegava quando chegamos à Serra dos Lima, aproximadamente 77 Km de prova, havia um caminhão atolado no lamaçal impedindo o nosso acesso à cidade de Barra.




Era a primeira oportunidade para usarmos a camel back que fora emprestada pela Equipe Ultras do Cerrado. Passei com o carro de apoio por um percurso alternativo até a cidade de Barra, porém, não foi possível o apoio ao atleta até aquele local.

Na cidade de Crisólia montamos novo acampamento para um pretenso "jantar", todavia, o guerreiro optou por tirar uma soneca bem agasalhado pois o frio apertava bastante naquela hora da noite.



Km 106 - Crisólia-MG x Ouro Fino-MG.

Esse trecho ficou marcado pelo momento de nostalgia para aqueles que adoram os clássicos da música sertaneja, vejam a foto abaixo e tentem adivinhar o que estou falando.



Bomfim e o Menino da Porteira!

A cidade de Ouro Fino adormecia quando consegui captar essa preciosa fotografia do mestre Bomfim em seu momento de reflexão.


Momento de reflexão!
Km 115 - Ouro Fino-MG x Inconfidentes-MG.

Na cidade de Inconfidentes/MG foi possível cumprir o planejamento e descansar por 4 horas, uma vez que encontramos local para um banho quente, em um pequeno Hotel, que por sua vez, fica nas instalações de um Posto de combustível, à margem do Caminho da Fé.




Km 137 - Inconfidentes-MG x Borda da Mata-MG.

Com as energias renovadas iniciamos o segundo dia de prova, era fácil notar que o guerreiro estava com as energias plenamente renovadas. Era nítido que aquele descanso tinha sido providencial para se concluir mais uma meta. Confiram a foto!!!



Km 153 - Borda da Mata-MG x Tocos do Moji-MG.

A parte final da BR 135 vem justamente para testar os limites físico e mental do atleta. É unanimidade entre os participantes... "trata-se do trecho mais duro do desafio".

O almoço daquele sábado foi "bife de boi" servido pelo "Restaurante da Gilda" na cidade de Tocos do Moji.

Seria legal uma soneca após o almoço, más, não dava para perder tempo, faltava pouco e o corpo estava bem alimentado e com certeza dava para conciliar uma caminhada com a digestão do "bife de boi".

Eu só não contava com uma decisão inusitada do Bomfim, qual seja: ele resolveu prosseguir na prova usando um enorme guarda chuva para fugir dos raios solares que naquela tarde judiavam do corpo dos simples mortais.

É claro que acatei a decisão, registrei o fato, estou noticiando aos senhores para que isso não sirva de exemplo para nenhum corredor e agora estou dando gargalhadas maravilhosas... vejam se isso é possível pessoal!!!



A tão temida chuva ainda não havia mostrado a sua face, todavia, no final da tarde ela resolveu dar o ar da graça e nos assustar. Inicialmente era uma garoa paulistana, porém, acompanhada de rajadas de vento esporádicas.

Também era possível perceber que ao longe haviam relâmpagos e trovões em locais um pouco mais afastados.

A seguir foi necessário o uso de capas de chuva para minimizar o efeito do frio sobre o corpo e não deixar o atleta desprotegido.

Km 175 - Tocos do Moji-MG x Estiva-MG.

As subidas continuavam, porém elas se tornaram absurdamente mais longas

De certa forma, estávamos radiante por conseguir avançar naquele segundo dia quando nos deparamos com a Serra do Caçador.

O que era aquilo gente!!! - Em determinado local desci do veículo e subi um pequeno trecho a pé para verificar se era possível avançar com o "Trovão Azul", apelido dado pelos amigos ao nosso carro de apoio que estava todo adesivado para o evento.



O adesivo que mais chamou a atenção dos participantes foi aquele que continha o mapa do percurso. De fato ele ficou muito interessante e até ajudou outras pessoas que vinham conferir o "mural ambulante".




O fato é que não foi possível avançar naquele trecho com o veículo de apoio, assim me dirigi para a cidade de Estiva onde providenciei uma deliciosa Pizza Portuguesa e uma Coca-Cola estupidamente gelada.


Aquilo já não era mais uma corrida e sim uma tremenda diversão de amigos que "correm por pura paixão". 

Era o momento de contar piadas, dar boas gargalhadas e nos prepararmos com alto astral para os 2 últimos trechos da BR135.

Km 195 - Estiva-MG x Consolação-MG.

Anoitecia quando Wilson Bomfim passou pela passarela sobre a "Rodovia Fernão Dias". 

Naquele momento foi necessário utilizar novamente as duas lanternas, uma de mão para iluminar e tentar enxergar as marcações do caminhão da fé e outra colocada sobre o boné para a iluminação do trajeto.

A chuva molhou o percurso tornando-o levemente escorregadio. A cautela foi redobrada.

Km 217 - Consolação-MG x Paraisópolis-MG

Seriam 22 Kms de muita emoção e superação. Passamos inicialmente pela Rodovia (asfaltada) que liga os dois Municípios e após 4 Km viramos à direita, retornando para o trecho de terra.

Esse final de prova contava com mais uma transposição de riacho, passagem por mata burro, passagem por porteiras. Em mais uma oportunidade não foi possível acompanhar o atleta com o veículo, havia uma pirambeira extremamente escorregadia pela frente.

Era madrugada de domingo e o momento de pura superação. O nosso destino final era a praça de Paraisópolis em frente à Igreja.



Às 05 horas e 15 minutos do Domingo, 20 de janeiro de 2013, estávamos lá, parte da Equipe Bsb Parque (Samuel, Eduardo, Fernandes e Silvestre), juntamente com os amigos da Equipe Ultras do Cerrado (Márcio Grace e Garotinho) para comemorarmos aquela conquista do Professor Wilson Bomfim, que ultrapassou a linha de chegada da Edição 2013 da BR 135 - "A Ultramaratona das Montanhas", com o tempo de 45 horas e 15 minutos.



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Em pé Esq/Dir. Garotinho, Bomfim, Márcio, Samuel e Eduardo
Abaixados Esq/Dir. Fernandes e Silvestre
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Separei duas frases ditas pelo amigo logo após ter concluído sua epopeia. A primeira diz respeito às suas origens e a segunda versa sobre os cuidados essenciais para a concretização do sonho de todo Ultramaratonista, vejamos:


"Essa prova eu dedico ao meu saudoso avô, Manoel Joaquim Bomfim, que em determinado momento da vida, partiu de São Pedro, um pequeno Distrito do Município de Santa Maria da Vitória no Estado da Bahia e foi até a capital Federal caminhando junto com o meu querido pai, Joaquim Manoel Bomfim."

"É impossível a realização desta prova sem uma orientação técnica multidisciplinar envolvendo o fortalecimento muscular, a alimentação, a realização de massagens, da perfeita logística durante a prova e sobretudo um consistente apoio durante às 48 horas de prova."
Wilson Bomfim 

Não tenho palavras para descrever a emoção que passei nesses dias, foi sensacional presenciar aquela aventura.

Aqueles que nos conhecem sabem o tamanho da admiração e paixão que tenho pelos esportes, pelas histórias de superação que são contadas pela literatura especializada ao longo do tempo, bem assim a outros assuntos que nos remetem a buscar algo mais para esclarecer a natureza e a essência humana.

Pois bem senhores, com essa foto abaixo, que foi captada por este "blogueiro" por volta das 23:00 horas do Domingo, 20 de janeiro de 2013, encerro o relato tentando entender, ainda... qual de fato será o limite para o ser humano!!!!!!


Prefeita Silvia Renata e o Atleta André Kajlich
Posso estar equivocado, más, a meu entender, o momento sublime de toda a prova foi presenciar o atleta Andre KajLich da Categoria "Challenged Athlete" concluir a prova de 217 Kms repleta de obstáculos, até então ditos como insuperáveis para um cadeirante.



É oportuno ponderar que apesar dele ter ultrapassado as 60 Horas estabelecidas pela organização da prova, o feito é algo extraordinário!!! mesmo considerando que foram gastos 03 horas a mais do limite estabelecido.



Retornando o foco a corrida do Bomfim, estou anexando o link do Garmin para aqueles que gostam de informações ou dados relacionados à frequência cardíaca, altimetria do terreno, trechos percorridos, velocidade média e outras informações interessantes. Vale a pena conferir!!! - Observada a limitação da bateria do relógio, foi possível, durante 39 horas e 08 minutos, monitorar a corrida do guerreiro por 200 Km.



Forte abraço,

Dionisio Silvestre